Como é Difícil Confiar no Tempo Quando Buscamos Apenas Reconhecimento


Na célebre passagem "Confia no tempo, que [ele] costumava dar doces saídas a muitas amargas dificuldades", extraída da Segunda Parte de Dom Quixote, sintetizava-se a principal virtude do herói: a paciência e a perseverança. Dom Quixote acreditava que o tempo poderia suavizar as dificuldades e trazer soluções positivas e inesperadas. O herói criado por Miguel de Cervantes no longínquo século XVII não entendia o tempo apenas como um aliado, mas como um instrumento poderoso de transformação.
Nesse ponto da obra, ele estava completamente envolvido em suas aventuras, movido pelo idealismo. Sua confiança no tempo revelava seu lado romântico, aquele que via nas adversidades uma oportunidade de esperar e deixar o fluxo natural das coisas trazer a resolução.
Psicologicamente, o personagem heroico de Cervantes era fascinante, pois ele vivia em uma dissociação clara entre a realidade e o mundo idealizado que construíra em sua mente. Sua vida era guiada pelos princípios de uma cavalaria antiga, e ele evocava a imagem do predestinado, o único capaz de corrigir os erros da humanidade. Essa busca pela restauração de valores do passado dava sentido às suas ações, mesmo que muitas vezes entrassem em confronto direto com a realidade. Sua fé no tempo, nessa perspectiva, não era apenas uma questão de esperar resultados; era uma maneira de reafirmar sua convicção de que, com paciência, o reconhecimento justo de suas ações chegaria.
Embora muitos o vissem como alguém perdido em devaneios, Cervantes apresentava Dom Quixote como alguém que, em meio às suas ilusões, carregava uma sabedoria subjacente. Ele personificava a eterna batalha entre os sonhos idealistas e a realidade implacável, onde, paradoxalmente, sua loucura revelava uma verdade: confiar no tempo poderia ser uma forma de encontrar respostas que a pressa e o imediatismo jamais trariam.
Em pleno século XXI, a ideia de "confiar no tempo" parece cada vez mais deslocada. Vivemos na era da velocidade, onde o imediatismo é a regra. Desde questões pessoais até grandes decisões profissionais, tudo parece exigir uma solução rápida e eficiente. Estamos tão imersos no agora que esquecemos que muitas questões só se resolvem com o amadurecimento necessário, algo que o tempo oferece. A tecnologia, com suas promessas de aceleração, condicionou nossas mentes a esperar respostas instantâneas. Porém, o que perdemos com isso?
Perdemos a paciência. Aquela virtude que nos ensina a deixar o tempo agir e amadurecer o que precisa ser resolvido foi praticamente abolida. Queremos tudo para ontem e esquecemos que soluções rápidas, muitas vezes, não são as mais duradouras. Assim como Dom Quixote acreditava na sabedoria do tempo, também deveríamos reaprender a confiar no processo. Muitas dificuldades amargas, se observadas com a devida paciência, podem se transformar em saídas “doces” e inesperadas.
A urgência dos novos tempos nos trouxe uma avalanche de consequências emocionais. A ansiedade se instalou como um mal silencioso e devasta dia após dia a saúde mental das pessoas. Constantemente, corremos atrás de mais — mais sucesso, mais realizações, mais reconhecimento. Como se o valor da nossa existência estivesse diretamente relacionado à quantidade de conquistas acumuladas no menor tempo possível. E, com isso, perdemos o espaço para a reflexão, para a tomada de decisões amadurecidas, e até mesmo para perceber que a vida não segue um cronograma rígido.
Mas por que estamos tão acelerados? Parte disso vem do ambiente digital que nos cerca, promovendo o consumo rápido de informações e nos empurrando a uma multiplicidade de tarefas. Ser ocupado virou sinônimo de ser produtivo. No entanto, estamos constantemente sobrecarregados por notificações, metas e prazos irreais que criam a falsa sensação de que o tempo está contra nós. Quando, na verdade, se soubermos usá-lo a nosso favor, ele pode ser nosso maior aliado.
Além disso, o desejo de reconhecimento, conforme explorado por Francis Fukuyama em seu livro Identidades: A Exigência de Dignidade e a Política do Ressentimento, também é um fator que intensifica essa pressa dos novos tempos. A busca por reconhecimento tornou-se uma força poderosa na sociedade contemporânea. Essa busca, que está no centro da psicologia humana, evoluiu de uma simples necessidade de igualdade para um desejo mais complexo de superioridade moral e social.
Um trecho que exemplifica essa ideia de Fukuyama é: "O reconhecimento universal que as democracias liberais oferecem – de que todos somos iguais – não é suficiente para muitos. O que as pessoas realmente querem é ser reconhecidas como superiores aos outros em algum aspecto." Essa passagem reflete a complexidade da política de identidade e a insatisfação que surge quando o reconhecimento universal não atende às expectativas de superioridade que algumas pessoas ou grupos almejam. Nesse sentido, o autor nos leva a refletir sobre os perigos dessa busca delirante por reconhecimento, que, em vez de unir, muitas vezes fragmenta e cria divisões na sociedade.
A reflexão de Fukuyama conecta-se profundamente com o pensamento de Freud, que destacou o impacto destrutivo das comparações constantes na vida humana. Enquanto Fukuyama discute o desejo por reconhecimento como um fator que fragmenta a sociedade moderna, Freud se aprofunda na natureza dessa fragmentação ao mostrar como a tendência de nos compararmos com os outros gera um ciclo de insatisfação. Para Freud, "As pessoas que comparam constantemente seus ideais com as realizações dos outros, em vez de consigo mesmas, acabam ficando presas a um ciclo de insatisfação". Essa citação revela como a busca incessante por reconhecimento externo não apenas nos frustra, mas também nos prende em uma espiral de ansiedade e frustração, exacerbando a crise de reconhecimento que Fukuyama tão bem explora.
De fato, Freud nos convida a olhar para dentro, propondo que, ao invés de nos perdermos em comparações com os outros, devemos medir nosso progresso a partir de quem éramos no passado e em quem estamos nos tornando. Em uma era marcada pela pressão de se destacar e ser reconhecido, é comum medirmos nosso valor com base nas conquistas alheias. A cultura do sucesso imediato e das redes sociais intensifica essa tendência, levando-nos a negligenciar nosso próprio crescimento em favor de comparações superficiais. Freud, no entanto, nos oferece uma alternativa mais saudável e equilibrada: focar em quem éramos no passado e em quem estamos nos tornando ao longo do tempo.
Essa perspectiva interna proposta por Freud é uma forma eficaz de combater a pressão social que Fukuyama aponta. Ao reconhecer nosso próprio progresso, podemos escapar do ciclo de frustração e inadequação alimentado pela comparação constante. Em vez de buscarmos validação externa, aprendemos a medir nossas conquistas com base em nosso esforço pessoal e em nosso desenvolvimento ao longo do tempo. Isso nos permite valorizar as pequenas vitórias, reconhecer as dificuldades superadas e ver o quanto já evoluímos — algo que a busca incessante por reconhecimento alheio muitas vezes nos impede de enxergar.
Além disso, quando nos comparamos com nosso próprio passado, fugimos da armadilha da competitividade constante, que frequentemente causa sentimentos de inferioridade. Freud sugere que essa abordagem promove um ciclo de crescimento mais saudável, no qual focamos em nossos próprios objetivos e sonhos, ao invés de nos deixarmos influenciar pelo ritmo ou pelo sucesso dos outros. A comparação interna, nesse contexto, fortalece nossa identidade e autoconfiança, ajudando-nos a enfrentar os desafios da vida com mais clareza e objetividade.
Em suma, a grande dificuldade de confiar no tempo, especialmente em uma era marcada pela busca incessante por reconhecimento, conforme alertado por Fukuyama, é confrontada pela sabedoria de Dom Quixote, que nos ensina que a paciência pode transformar dificuldades em soluções inesperadas. Igualmente, Freud complementa essa perspectiva ao nos alertar sobre os prejuízos psíquicos da comparação constante com os outros, uma abordagem que nos liberta da pressão social, ajudando-nos a valorizar nossas pequenas conquistas e a nos desenvolvermos de forma mais saudável e original.
Agora que você leu sobre como a confiança no tempo, aliada à paciência, pode transformar nossas dificuldades em soluções inesperadas, o que você acha? Você também sente que a busca por reconhecimento, tão presente em nossos dias, tem causado impactos em sua vida? Compartilhe sua opinião nos comentários! Não esqueça de compartilhar este post com seus amigos e redes sociais para continuarmos essa conversa.
Subsídios teóricos:
Cervantes, M. de. Dom Quixote de la Mancha. São Paulo: Martins Fontes, 2019.
Freud, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 2017.
Fukuyama, F. Identidades: A Exigência de Dignidade e a Política do Ressentimento. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.
