Por que procrastinamos?

Por que procrastinamos?

“A razão é, e deve apenas ser, escrava das paixões, e nunca pode pretender a qualquer outro papel além de servi-las e obedecê-las.”
David Hume, Tratado da Natureza Humana (1739)

David Hume, um dos maiores filósofos do Iluminismo, nos oferece nessa frase uma visão “atrevida” sobre a natureza humana. Segundo ele, por mais que gostemos de nos enxergar como seres racionais, é nas emoções que reside o verdadeiro motor das nossas ações. A razão, em vez de comandar, apenas segue os desejos e instintos que nos movem. E não é exatamente isso que sentimos quando procrastinamos? Não adiamos tarefas porque somos incapazes de raciocinar sobre sua importância, mas porque o peso emocional — seja o desconforto de começar, o medo do fracasso ou a atração por distrações mais agradáveis — domina a lógica.

O que Hume percebeu no século XVIII continua tão relevante hoje quanto em sua época. Vivemos em um mundo saturado por opções, exigências e distrações que amplificam a inércia. Se nossos comportamentos são guiados pelas paixões e pelos contextos que nos cercam, como podemos estruturar nossas escolhas para escapar do ciclo da procrastinação? Essa questão ganha respostas práticas e fascinantes na obra Nudge: Como Tomar Melhores Decisões Sobre Saúde, Dinheiro e Felicidade, de Richard Thaler e Cass Sunstein, publicada em 2008.

Nudge é um marco na economia comportamental, campo que estuda como as pessoas realmente tomam decisões, muitas vezes influenciadas por emoções e atalhos mentais, em vez de cálculos racionais. Richard Thaler, economista premiado com o Nobel, e Cass Sunstein, jurista e especialista em políticas públicas, propõem o conceito de nudge, ou “empurrãozinho”, como forma de ajudar indivíduos a tomar melhores decisões sem restringir sua liberdade. Eles defendem que nossas escolhas são profundamente moldadas pela maneira como as opções são apresentadas — o que chamam de “arquitetura da escolha”.

A obra traz três ideias centrais. Primeiro, a arquitetura da escolha, que mostra como pequenas mudanças no ambiente podem influenciar decisões. Um exemplo clássico é posicionar alimentos saudáveis em prateleiras ao nível dos olhos para incentivar escolhas melhores. Segundo, os vieses cognitivos, como o viés do presente (dar prioridade ao prazer imediato em detrimento do benefício futuro), que explicam por que tendemos a procrastinar ou fazer escolhas subótimas. Terceiro, o conceito de paternalismo libertário, que sugere que podemos ser guiados em direção a melhores escolhas sem que isso comprometa nossa autonomia.

Essa proposta ressoa profundamente com a filosofia de Hume. Ambos reconhecem que nossas decisões são moldadas mais pelas emoções e pelo contexto do que pela razão pura. Hume, ao destacar a influência das paixões, fornece uma base filosófica para o que Thaler e Sunstein aplicam de maneira prática: se as emoções nos guiam, por que não estruturar o ambiente para que essas emoções nos conduzam a resultados mais produtivos?

Quando aplicamos essa ideia à organização para o estudo de uma disciplina ou concurso, percebemos que o mesmo princípio se aplica: é fundamental reconhecer que nossas escolhas no dia a dia são fortemente influenciadas por emoções e pelo contexto em que nos encontramos. Assim como Thaler e Sunstein propõem intervenções práticas para guiar decisões em outras áreas da vida, no estudo, pequenos ajustes no ambiente e na rotina podem criar um impacto significativo.

Por exemplo, organizar o espaço de estudo para torná-lo mais atraente e funcional, definir metas curtas e acionáveis para cada sessão de estudo e criar recompensas imediatas após completar tarefas são estratégias que ajudam a transformar a inércia em ação produtiva. Essas abordagens aproveitam o fato de que emoções como o desconforto inicial ao começar algo difícil podem ser atenuadas por intervenções simples.

E aqui cabe um destaque a você leitor:

Com base nessa perspectiva, desenvolvemos um guia rápido e eficaz, fundamentado na ferramenta da “Escrita de Memória”, chamado Um Soco na Barriga da Procrastinação. O material busca alinhar emoções e contexto para ajudar na construção de uma rotina de estudos mais produtiva. Se você quiser receber o guia gratuitamente, basta deixar nos comentários um “Eu quero”.

Mas voltemos às nossas reflexões:

A conexão entre os estudos de Hume e a obra Nudge se torna evidente ao analisarmos o papel do hábito em ambos. Hume argumenta que os hábitos são centrais para a forma como vivemos e decidimos, enquanto Nudge explora como pequenas intervenções no ambiente podem formar novos hábitos. Por exemplo, quando empregadores inscrevem automaticamente seus funcionários em planos de aposentadoria, com a opção de sair a qualquer momento, a inércia natural faz com que a maioria permaneça no plano, criando um hábito de poupança. Hume provavelmente veria isso como uma aplicação moderna de sua ideia de que nossas ações são moldadas mais pela repetição e contexto do que pela deliberação consciente.

Além disso, a obra de Thaler e Sunstein apresenta soluções práticas que podem combater a procrastinação de maneira eficaz. Por exemplo, dividir tarefas grandes em pequenas etapas acionáveis é uma aplicação direta da ideia de que emoções negativas associadas a grandes desafios podem ser reduzidas. A “Regra dos 5 Minutos”, que sugere iniciar uma tarefa por apenas cinco minutos, funciona porque vence a inércia inicial e muitas vezes leva ao engajamento contínuo. Outro exemplo é criar lembretes visuais ou recompensas imediatas para tarefas concluídas, como um quadro de metas ou um aplicativo de produtividade. Essas intervenções também funcionam porque alinham os atalhos mentais e emocionais com o comportamento desejado, algo que tanto Hume quanto os autores de Nudge reconheceriam como essencial.

Ao final, tanto Hume quanto Nudge nos ensinam que não podemos ignorar o papel das emoções, dos hábitos e do contexto em nossas decisões. Ter essa consciência expandida é fundamental, especialmente para pessoas que têm projetos valiosos em mente, mas não conseguem colocá-los em prática. A procrastinação não é um sinal de falha moral ou falta de disciplina; é um reflexo da natureza humana. No entanto, ao entender como nossas escolhas são moldadas, podemos criar condições para que nossas paixões e emoções trabalhem a nosso favor, não contra nós.

 

Referências Bibliográficas

HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

THALER, Richard; SUNSTEIN, Cass. Nudge: Como Tomar Melhores Decisões Sobre Saúde, Dinheiro e Felicidade. Tradução de Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

FISETTE, Denis. Hume e a Filosofia das Paixões. São Paulo: Edusp, 2018.

 


 

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4 respostas

  1. Amei a reflexão sobre a procrastinação, afinal ela já foi pauta na sessão de psicanálise 🫠
    Até mesmo os meios de melhorar as tarefas, trazendo formatos mais leves e prazerosos para iniciar e/ou dar continuidade aos projetos

    Grata pelo compartilhar

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Quem sou?

Meu nome é Luiz Mário F. Costa, e tenho a satisfação de compartilhar minha experiência e conhecimento com você. Sou historiador, com Mestrado e Doutorado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e um Pós-Doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Além disso, desenvolvi pesquisas na Universidade de Lisboa (UL) e na Universidade Católica Portuguesa (UCP). Minha área de investigação concentra-se na fascinante História da Escrita, onde tenho contribuído com dezenas de artigos científicos e livros de referência.

Soma-se a minha formação acadêmica, uma sólida base em Psicanálise Clínica pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (IBPC), o que me permite enriquecer minha abordagem e compreensão das nuances do processo de escrita. Como fundador da Coach em Escrita em 2019, tenho o prazer de liderar a mais completa Empresa de Serviços Redacionais.

Minha trajetória como pesquisador e escritor me proporcionou uma ampla visão sobre as demandas textuais acadêmicas e profissionais. Ao longo dos anos, desenvolvi uma metodologia exclusiva e eficiente para auxiliar os indivíduos em sua jornada de escrita. Com a Coach em Escrita, proporciono um suporte personalizado e orientação estratégica para cada demanda textual, desde concursos públicos e vestibulares até artigos científicos, relatórios, teses e livros.

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