Você já se viu em um ciclo onde, mesmo após conquistar um objetivo ou realizar um sonho, a sensação de insatisfação persiste? É como se, independentemente do esforço, as expectativas nunca fossem totalmente alcançadas, deixando um vazio desconcertante. Esse sentimento de frustração constante parece fazer parte da experiência humana, especialmente na vida moderna. Por mais que avancemos, algo parece sempre nos faltar. E, nesse sentido, esse ciclo de insatisfação e vazio não é uma novidade.
O filósofo Arthur Schopenhauer, conhecido por sua visão profundamente pessimista sobre a existência, descreveu essa sensação de forma magistral em sua obra “O Mundo como Vontade e Representação” (Die Welt als Wille und Vorstellung), publicada em 1818. De acordo com ele, a vida oscila como um pêndulo entre dois polos inevitáveis: a dor e o tédio. Segundo Schopenhauer, somos eternamente movidos por desejos que, ao serem realizados, nos tiram da dor da falta, mas rapidamente nos mergulham no tédio da satisfação passageira. Ele escreveu:
“A vida oscila, como um pêndulo, entre a dor e o tédio, passando por um curto intervalo de prazer e alegria.”
A ideia central de Schopenhauer é que a vontade — essa força interna que nos impulsiona — é a raiz de todo o sofrimento humano. Estamos sempre desejando algo: sucesso, reconhecimento, amor, ou realizações materiais. No entanto, uma vez que conseguimos aquilo que desejávamos, a satisfação é temporária, e logo surge um novo desejo, reiniciando o ciclo de insatisfação. Quando os desejos não são realizados, sentimos dor; quando o são, logo caímos no tédio, pois o que alcançamos já não é mais suficiente.
Para Schopenhauer, a frustração é uma parte inevitável de nossa condição, porque a própria natureza dos desejos humanos é insaciável. Mesmo quando conseguimos aquilo que almejávamos, o prazer que sentimos é efêmero, deixando espaço para novas aspirações que, por sua vez, trarão novas frustrações.
Mas o que essa reflexão filosófica nos diz? E, mais importante, como podemos lidar com essa realidade de frustrações constantes, tanto internas quanto externas?
Para compreender melhor essa questão, podemos nos apoiar nas reflexões de dois grandes pensadores do século XX: Sigmund Freud e Erich Fromm. Cada um, com sua visão particular, nos ajuda a entender as raízes da frustração e a forma como ela se manifesta em nossa vida, tanto no âmbito pessoal quanto social.
De acordo com Freud, a frustração interna nasce do conflito entre nossos desejos inconscientes e as limitações que a realidade nos impõe. Ele acreditava que o ser humano é movido por impulsos e desejos que, muitas vezes, entram em choque com o que é socialmente aceitável. Esse conflito entre o id (nossos impulsos primitivos), o ego (a parte racional que tenta mediar esses desejos) e o superego (a internalização das normas sociais e morais) cria um cenário de tensão constante.
A frustração interna surge quando nossos desejos não podem ser realizados ou quando nos impomos padrões inatingíveis. Pense naquele momento em que você, apesar de conquistar algo significativo, ainda se sente insatisfeito — isso é a voz do superego pressionando, sempre exigindo mais. Freud nos alertou que essa frustração é inevitável, uma vez que nossos desejos nunca poderão ser completamente realizados de maneira plena.
Freud também apontou uma saída, exatamente a sublimação. Esse mecanismo de defesa que transforma os impulsos frustrados em atividades produtivas e socialmente aceitas. Ou seja, em vez de se paralisar diante da insatisfação, é possível redirecionar essa energia para algo construtivo — seja o trabalho criativo, o esporte ou escrever um livro, estratégia que nos permite superar essas tensões de forma positiva.
Mas o que acontece quando a frustração não vem de dentro, mas de fora?
Se Freud nos ajuda a entender o conflito interno, Erich Fromm oferece uma visão mais ampla, focando no contexto social em que estamos inseridos. Para Fromm, a frustração externa está profundamente enraizada na estrutura da sociedade moderna, que aliena o indivíduo ao promover valores superficiais e materialistas.
Vivemos em uma sociedade onde a identidade das pessoas muitas vezes se define pelo que possuem ou pelo que alcançam. Além disso, a pressão para se encaixar em padrões de sucesso impostos, seja no trabalho, nos relacionamentos ou na aparência, gera uma sensação contínua de inadequação. Fromm argumenta que essa busca incessante por validação externa nos desconecta de quem realmente somos e de nossos verdadeiros valores, criando uma frustração profunda.
Esse sentimento é amplificado pela cultura do imediatismo e da comparação constante — algo tão comum nas redes sociais, onde o sucesso alheio é exibido em tempo real, exacerbando nossa sensação de insuficiência. Para Fromm, a solução está em cultivar um sentido de autenticidade e em resgatar a nossa liberdade interior. Em vez de buscar aprovação externa, devemos focar em encontrar atividades que tenham significado verdadeiro para nós, construindo uma vida baseada em valores internos, como o amor genuíno, a criatividade e o trabalho significativo.
A frustração externa, então, surge quando sentimos que estamos sendo empurrados a seguir caminhos que não são verdadeiramente nossos. Essa alienação, de acordo com Fromm, pode ser enfrentada por meio de um retorno ao que ele chama de “ser autêntico”, ou como eu prefiro chamar, a busca pela “origem”, a tradição de quem você é: uma reconexão com nosso eu interior e a rejeição da busca desenfreada por aprovações superficiais.
Uma vez entendida as “raízes” internas e externas do sentimento de frustração, que a cada dia define melhor nossa sociedade contemporânea, precisamos refletir sobre como elas afetam nossas vidas profissionais. Muitas vezes, a frustração que sentimos no trabalho é uma mistura dessas duas forças: por um lado, nos culpamos por não atingir o sucesso que esperávamos; por outro, somos pressionados por um sistema que nos exige metas irreais e padrões inatingíveis.
A boa notícia? Essa frustração pode ser o ponto de partida para algo novo. Quando a insatisfação se torna insuportável, pode sinalizar que estamos prontos para uma transformação. A frustração interna — aquela sensação de que poderíamos fazer mais ou de que algo não está certo — somada às pressões externas pode ser o momento exato para repensar nossa trajetória profissional.
Posso falar com propriedade sobre isso. Depois de mais de duas décadas imerso no mundo acadêmico, como aluno, pesquisador e professor, com mestrado, doutorado e pós-doutorado, me vi profundamente frustrado com o caminho que estava seguindo. A academia, por mais recompensadora que fosse, trouxe também uma carga enorme de frustrações. A polarização política, a estrutura institucional arcaica e a constante sensação de estar sempre “devendo” algo a alguém eram extremamente desgastantes.
Diante disso, decidi não seguir mais por esse caminho “quadradinho” e então fui empreender na educação, no meio digital. E aqui está a primeira grande constatação que tive: enquanto o professor lida negativamente com as frustrações — como a de não ver seus alunos avançando como esperava ou a de não ter o reconhecimento que gostaria —, o empreendedor, ao contrário, lida de forma positiva com a frustração. O empreendedor olha para o mercado e, em vez de se paralisar com as dificuldades, transforma essa frustração em combustível para inovar, criar e buscar soluções. Por isso, administrar esses dois comportamentos — o do professor, que muitas vezes se lamenta, e o do empreendedor, que aprende a agir — foi um dos meus maiores aprendizados.
Em suma: Freud e Fromm, comprovam em suas clínicas aquilo que Schopenhauer já sabia, que a frustração é inevitável. Seja internamente, pelos conflitos e desejos não realizados, ou externamente, pelas pressões e padrões sociais, esse sentimento faz parte da vida. Mas o que realmente importa é como lidamos com ele. Se estamos insatisfeitos com nossa carreira ou com nossas escolhas, talvez seja hora de ver a frustração não como um obstáculo, mas como um ponto de partida para algo novo.
Se você sente essa insatisfação, talvez seja a hora de redirecionar suas energias. A frustração, seja interna ou externa, pode ser o sinal de que uma mudança se faz necessária — e ela pode muito bem ser o início de uma mudança de paradigmas, mais original e significativa. Afinal, viver é aprender a lidar com a frustração.
Subsídios teóricos:
Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
Fromm, Erich. A Arte de Amar. Tradução de Lygia A. P. da Veiga. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
Fromm, Erich. O Medo à Liberdade. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
Agora é a sua vez de continuar essa conversa: Como você tem lidado com suas frustrações e expectativas? Deixe suas impressões nos comentários e compartilhe suas ideias sobre esse ciclo de insatisfação. E se essa reflexão te fez pensar em alguém, por que não compartilhar?”